domingo, 15 de maio de 2011
O PÁSSARO QUE TINHA ETER... NA LIBERDADE
Prefácio: qualquer semelhança com o livro “Fernão Capello Gaivota” é adrede!
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URUBU- O PÁRIA DAS AVES DE RAPINA
Sonhei que era um pássaro! E não era um pássaro qualquer: era um pássaro marginal!. “ Como quase todo pássaro marginal, sou negro. Na verdade sou o maior lixeiro que existe na Terra. Toda a minha vida foi consumida na procura de comida e na fuga do ser humano.
Meu bando todo, quando ficávamos planando alto, só se preocupava em encontrar comida. Ainda no ar, éramos extremamente graciosos, ao passo que em terra, éramos desengonçados, qual bando de bêbados perambulando por uma rua, na madrugada fria de um dia qualquer.
Vez ou outra tinha vontade de aprender uns novos passos, pois achava que era possível andar elegantemente, apesar da envergadura. Era motivo da caçoada do bando todo. Muitas vezes me surpreendia mirando na água estagnada da lagoa, e via meu perfil horrendo: fazia uma série de poses e depois, desconfiado, olhava em volta para ver se alguém estava espionando. Próximo de um dos lugares onde o bando se reunia, numa velha casa sem telhado, abandonada, achei o lugar ideal para fazer o treinamento de pose e charme, longe dos olhos invejosos dos outros jovens do bando. Passei então a me esmerar nos treinos, já no início passava duas horas por dia, depois quatro, até que então treinava desde a manhã, até a noite, e sem perceber deixei de fazer revoada com o bando. Outra coisa: deixei de me alimentar! E o prazer de minha nova atividade não me deixava sentir fome. E foi que então, numa tarde ensolarada, quando estava na melhor parte de meu treino, fui surpreendido por um grito apavorante: - pare!!!
Meu sangue gelou: era o chefe do bando ao qual pertencia, Ele, dono das vontades, da vida e da morte. -Você será expulso do bando, não merece ser um urubu campeiro! O chão faltou-me aos pés nesta hora, e até os meus melhores amigos me deram as costas.
Ao ver-me sozinho, pensei que não poderia sobreviver; no entanto pensando friamente, notei que já há muito mudara os meus hábitos: passei a ser vegetariano, e no máximo comia uma ou outra minhoca que se me aparecia no caminho. Fui até o espelho de água estagnada da lagoa pela última vez, e me vi mais esbelto, e o que me deixou mais contente, já não tinha o ar carrancudo de antes, e minhas asas já não eram caídas de um lado, mas sim imponentes como sói podia querer.
Voei, planei, caminhei léguas e léguas, finalmente era livre, podia agir da maneira que mais me aprouvesse, podia pensar e fazer amplamente tudo o que quisesse. Passei a lembrar-me das coisas que fazia quando estava no bando. Quando me surpreendiam ensaiando, inventava uma mentira qualquer para me justificar: - hoje estou com uma dor nas pernas!!, e mentiras que tais , mas enfim quem não mente? O importante era que agora tinha a mente livre, ela corria céus e terras.
Percorri toda a costa do Brasil, fui até o Iraque, ao Afeganistão, à Líbia, ao Haiti, vi os escombros causados pela natureza no Japão, no Alabama, em nas cidades serranas do Rio de Janeiro e em Alagoas e Maranhão, que nunca foram amenizadas; vi a tensão e a miséria que a guerra e as catástrofes naturais trazem. Vi também o aposentado mal remunerado, sem mais energia devido à idade, sofrendo por estar querendo trabalhar para compor salário digno para sobreviver sem, no entanto, encontrá-lo. Vi o jovem que procurava por seu primeiro emprego. Procurei motivos para admirar o belo e com ele rir; encontrei tristezas e chorei. Chorei mais do quê ri!
Já não me sinto feio, nem gordo, nem urubu, nem pavão:- sou apenas um pássaro. Como quase todo pássaro marginal, sou negro. Vivo agora num atol, um templo do século XV bem longe da costa, só como o que alguns barcos largam por aqui para comer, ou algumas ervas, mariscos ou minhocas.
Tenho sono, um sono pesado. Quero não fechar os olhos, por que acho que não verei o dia seguinte, sinto a cabeça tonta.
Escuto-me e vejo; filhote e branco, a recitar:
Ser livre
É, ter na mente
Éter na mente
Eternamente...E-t-e-r...
...............................................................................................................fim do texto
por Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.
fonte: GRABOIS.ORG
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Agradeço a publicação ipsis literis de meu texto.
ResponderExcluirEspero que seus leitores gostem (ou tenham gostado).